29 de novembro de 2014

A note to self #2

Nunca te senti desespero. Nem na iminência de me veres uma última vez olhar-te para o fundo dos olhos. Nunca te cheirei desespero. Nem na iminência de me tocares uma última vez. Já não te sinto. Não te reconheço aquele cheiro que se agarrava ao ar da sala e ficava lá a perfumar-me os dias. Nunca te senti desespero.
Não sei com que critério Deus me fez assim o coração. Talvez um dia a caixa de escuridão que me ofereceste me venha a ser ferramenta. Deus talvez tenha um plano, afinal. 
Amo-te com este coração que nem eu entendo, enquanto abraço incrédula o escuro que me deste.   

8 de novembro de 2014

A note to you #2

E depois lembro-me sempre, todos os segundos, daquele momento em que estávamos num lugar tão bom, em que me enchi de amor e otimismo e te pedi em casamento. E dos segundos que se seguiram, da tua cara de horror, do desprezo a agressão que se seguiram. Da tua recusa violenta, do teu corpo a contorcer-se e dos gritos a aumentarem. Já nem me lembro do que disseste, bem, lembro, mas o que não consigo esquecer foram os primeiros segundos. A tua cara de horror. O desprezo. Ficou demasiado claro para poder ser ignorado que nunca vais agarrar um momento e torná-lo eterno. Vais sempre recusar-me. Vais sempre colocar a tua cara de horror. Vou ter sempre o teu desprezo.

4 de novembro de 2014

Naquela noite, sei-o bem, era suposto ter ficado em casa.

Na altura era verão e as noites eram quentes e não me devia ter demorado a entrar no carro para que não tivesses o tempo de mostrares a intenção, ou façanha, de que me ias abrir a porta quando na verdade a intenção era encostares-me contra o carro e beijares-me de forma atrapalhada ou atrapalhada eu com a pastilha de mentol que tinha na boca. Cada vez que passo naquele parque, até porque já lá voltei muitas vezes, umas contigo outras sozinha e nunca feliz, viro a cara ao lado. Eu que um dia o marquei a tinta rosa como um sítio feliz onde voltar agora viro a cara ao lado e nem sou mais pessoa de marcar pastilha de mentol. Se na noite seguinte te tivesse descodificado como te sei agora, não haveria de ter saído de casa não saberia que a vodka que bebi não me entorpece tanto quanto os teus dedos, de toque forte, a contarem-me eles mesmos a história daquela vez que foste operado a uma hérnia discal, e usaste as minhas para vincar o espaço das tuas costas, onde mora essa pequena cicatriz. Uma que só tu vês porque para mim ela esteve sempre aí e havia de jurar que é marca de nascença porque para mim, em mim, naquela noite. É que ao fingires-te descuidado e despretensioso foste matreiro pois estavas bem consciente de que a cada dedo que me movias pela coluna, não eram só as minhas costas que haveriam de ser marcadas com as tuas impressões digitais.
E naquela noite, sei-o bem, era suposto ter ficado em casa.